2. Como é feito o diagnóstico de Transtorno Bipolar (TB) tipo 1:
Os dois manuais diagnósticos mais utilizados na prática psiquiátrica são:
. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5-TR: Texto Revisado (a sigla DSM-5-TR deriva do título original em inglês: Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition, Text Revision (DSM-5-TR)).
. Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde 11a. Revisão – CID 11 (título original em inglês: International Classification of Diseases and Related Health Problems 11st. Revision – ICD 11).
A CID 11 é utilizada no Brasil oficialmente para codificação dos transtornos psíquicos. Entretanto, na prática, utilizamos o DSM-5-TR como guia diagnóstico, visto que a apresentação dos transtornos é mais completa e objetiva. Assim, os critérios diagnósticos utilizados aqui são aqueles apresentados pelo DSM-5-TR. Isto não cria discrepâncias, uma vez que os tipos de transtornos psiquiátricos e os grupos a que pertencem seguem as mesmas regras nos dois manuais.
Para o diagnóstico de TB tipo 1 é necessária a ocorrência de um ou mais episódios de mania, cujas características estão apresentadas abaixo. Embora não seja necessário para o diagnóstico, o mais comum é ter ocorrido também um Episódio Depressivo Maior ou mais.
2.1. Critérios para o diagnóstico de Episódio de Mania (EM):
Os sintomas do critério A devem sempre estar presentes, além de três ou mais dos sintomas do critério B. A duração deve ser de pelo menos uma semana (ou qualquer duração, se a hospitalização se fizer necessária).
A. Um período distinto de humor anormal e persistentemente elevado, expansivo ou irritável além de aumento anormal e persistente da atividade dirigida a objetivos ou da energia.
B. Durante o período de perturbação do humor e aumento da energia ou atividade, três ou mais dos seguintes sintomas (quatro se o humor é apenas irritável) estão presentes em grau significativo e representam uma mudança notável do comportamento habitual:
1. Autoestima inflada ou grandiosidade;
2. Redução da necessidade de sono;
3. Mais falante que o habitual ou pressão para continuar falando;
4. Fuga de ideias ou experiência subjetiva de que os pensamentos estão acelerados;
5. Distração;
6. Agitação psicomotora;
7. Envolvimento excessivo em atividades com elevado potencial para consequências negativas.
2.2. Critérios para o diagnóstico de Episódio Depressivo Maior:
Os critérios diagnósticos e o detalhamento de sintomas do Episódio Depressivo Maior você acessa clicando aqui.
3. Detalhamento dos sintomas de mania:
a) Alterações do humor:
O humor elevado e expansivo é descrito como eufórico e exageradamente alegre. O indivíduo se sente em êxtase. “Me sinto feliz como nunca”, “sinto que posso tudo”, “nada me segura” são expressões comuns. Existe um excessivo entusiasmo para relações interpessoais, sexuais e/ou profissionais. Tudo está muito, muito bem e nada é um obstáculo ou um problema.
O humor também pode ser irritável (ou disfórico). Nestes casos os estímulos externos são sentidos como perturbadores e desagradáveis, o que causa raiva e agitação. Trata-se de um estado de grande mal estar. São comuns referências como “estou no limite”, “estou por um fio”, “sinto que a qualquer minuto vou explodir”, “tudo me irrita”, “nem eu me aguento mais”. O indivíduo está constantemente hiper-reativo, ou seja, responde rapidamente aos estímulos de forma intensa e por isso pode acabar sendo ríspido ou até mesmo agressivo verbal ou fisicamente.
Importante notar que mudanças bruscas no humor são comuns, podendo ocorrer no mesmo dia. Por exemplo, de um estado de euforia e alegria intensas o indivíduo pode tornar-se muito irritado e agressivo. De um estado irritável e confrontativo, pode alternar para sintomas depressivos, com crises de choro e tristeza profunda.
b) Aumento excessivo de atividades dirigidas a objetivos ou da energia:
Ocorre envolvimento intenso em inúmeras atividades, sejam as comuns do dia a dia ou as relacionadas a novos projetos. “A bateria nunca descarrega”, “estou muito pilhado”, “não consigo parar”. Em geral há prejuízo em outras atividades como de lazer, socialização e descanso. O engajamento em várias tarefas ao mesmo tempo, sem concluir nenhuma, é comum.
Há aumento atípico da sociabilidade. O indivíduo torna-se extremamente amigável e interage muito facilmente com qualquer pessoa, mesmo com aquelas de quem não gosta. Pode chegar a abordar desconhecidos na rua para iniciar uma conversa longa e íntima.
Por fim o aumento de energia é a regra. O indivíduo se sente muito disposto para tudo e com grande vitalidade. Realiza um grande número de atividades durante o dia e dorme menos, ou então não dorme. Apesar disso não sente cansaço.
Assim como alteração de humor elevado ou irritável este sintoma é obrigatório para o diagnóstico de mania.
c) Autoestima inflada ou grandiosidade:
Existe uma confiança exagerada em si mesmo, fazendo com que o indivíduo acredite ser capaz de grandes conquistas e sucessos que na verdade são inatingíveis. Há perda da autocrítica sobre suas capacidades e limitações. Por exemplo, sem ter nenhuma experiência ou talento, pode acreditar que escreverá o roteiro para um filme que será um grande sucesso mundial. Ou então planejar uma grande reforma em sua casa sem ter os recursos financeiros mínimos para tanto.
Há grandiosidade na percepção de si mesmo, podendo chegar a ser delirante, ou seja, fora da realidade. Nestes casos o indivíduo acredita ferozmente ter poderes especiais, passando esta crença a ser irredutível mesmo com a argumentação contrária das pessoas ao seu redor. Em alguns casos acredita ser um personagem importante da história, tal como Napoleão Bonaparte ou Juscelino Kubistchek.
d) Redução da necessidade de sono:
Devido ao excesso de energia mental e física existe uma necessidade muito diminuída de sono quando comparado ao normal do indivíduo. Em geral dorme muito pouco e acorda eufórico, cheio de energia e ideias. Pode ficar até dias sem dormir e não sentir-se cansado. Isto é diferente da insônia, quando não se consegue dormir e este tempo de sono diminuído é sentido no dia seguinte como muito cansaço e falta de energia.
e) Fuga de ideias:
O fluxo de pensamentos é muito intenso, fazendo com que o indivíduo perca a linha de raciocínio com facilidade. Por este motivo na mania há mudanças bruscas e repentinas sobre o que se está pensando. Como a fala é a expressão do pensamento, há um discurso com troca de tópicos constantes, sem o indivíduo conseguir concluir um assunto. A isto chamamos fuga de ideias, que quando é muito intensa produz um discurso incompreensível e incoerente.
f) Mais falante que o habitual ou pressão para continuar falando:
Como consequência do pensamento acelerado, a fala torna-se excessiva. O tom é alto e há excesso na expressão verbal. A pessoa monopoliza a conversa, pois não há percepção da necessidade de outras pessoas terem a vez de falar também.
São usados trocadilhos e piadas com muita frequência. O indivíduo pode tornar-se muito engraçado e o centro das atenções, porém em algum momento torna-se cansativo e inconveniente. Fala com gestos excessivos e muita dramaticidade. A relevância sobre o que está sendo dito geralmente é pouca. Pode revelar acontecimentos muito íntimos de sua vida, que jamais o faria se tivesse autocrítica sobre o que está sendo dito.
g) Distração:
A atenção é muito flutuante, sendo que o foco muda facilmente por estímulos externos insignificantes. O indivíduo perde a capacidade de ler um livro ou então de acompanhar o que está sendo dito por alguém. O discurso também fica comprometido, pois qualquer aspecto irrelevante do ambiente o faz perder a linha de pensamento sobre o que estava sendo dito.
h) Agitação psicomotora:
Como consequência do aumento de energia, pensamento acelerado, excesso de entusiamo e envolvimento excessivo em atividades o indivíduo pode agir de forma aleatória e agitada, com ações sem qualquer objetivo significativo. É comum que ande o tempo e movimente o corpo, mãos e pés quando sentado. Quando confrontado em relação a este comportamento, pode tornar-se muito irritado e até agressivo.
i) Envolvimento excessivo em atividades com alto potencial para consequências negativas:
O excesso de otimismo é uma das características mais significativas. “Tudo vai dar certo”, não importando a realidade dos fatos. Combinado a isto, altos níveis de atividade, sentimento de grandiosidade, humor elevado e perda da autocrítica fazem com que haja envolvimento em atividades arriscadas, tais como dirigir muito velozmente e de forma perigosa. Compras compulsivas, com gastos exagerados e contração de dívidas, ou então investimentos arriscados e envolvimento em jogos de azar de forma insensata com muitos prejuízos financeiros ocorre com frequência. Muitas vezes faz muitas doações de dinheiro ou pertences pessoais acarretando perdas importantes.
Também é comum o envolvimento excessivo em atividades sexuais. O indivíduo fica hiper-sexualizado, podendo ter relações com múltiplos parceiros e tornar-se promíscuo. Em geral é um comportamento sexual diferente do seu normal e que acaba provocando grande constrangimento.
Para ler a parte final clique aqui.
Dr. Daniel Maffasioli Gonçalves – Psiquiatra em Florianópolis e Caxias do Sul
Entre em contato clicando aqui